A lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, trouxe inovações importantes no direito empresarial, rompendo com uma tradição punitivista e uma visão retrógrada da antiga lei falimentar, editada nos estertores do Estado Novo.
A manutenção da fonte produtora passou a ser o princípio maior e o objetivo primeiro da nova lei. Passados 15 anos de sua vigência, muitos avanços se deram no campo da jurisprudência, consolidando o entendimento sobre diversos aspectos polêmicos do novo marco legal e conferindo razoável grau de segurança jurídica aos empresários que necessitaram lançar mão desta ferramenta de gestão, bem como aos credores da empresa em crise.
A lei 14.112, de 24 de dezembro de 2020, reformulou amplamente a lei falimentar, incorporando o entendimento pacificado nas cortes superiores sobre inúmeros temas controversos, alterando dispositivos da lei atual e acrescendo novos dispositivos.
A proposta do presente artigo, elaborado a partir da nossa experiência na condução de dezenas de casos de pequenas, médias e grandes empresas, é analisar as inovações legais que têm o potencial de tornar o processo de recuperação judicial mais ágil, útil e efetivo para o empresário cujo negócio esteja em crise.
Um primeiro ponto que merece destaque é a possibilidade de que o Plano de Recuperação Judicial seja aprovado sem a realização de Assembleia de Credores, a qual, a partir dos casos ajuizados na vigência da nova lei, poderá ser substituída por um termo de adesão firmado por credores, por escrito, observado os mesmos quóruns de aprovação exigidos anteriormente (Art. 39, § 4º, I c/c Art. 45-A, § 1º).
Isso simplifica e desburocratiza o processo, já que não raro assembleias de credores são palco de sucessivos adiamentos, calorosos embates e intermináveis questionamentos jurídicos.
A parte da Lei que trata dos meios de recuperação judicial (Art. 50) sofreu duas inovações dignas de nota: a primeira é a possibilidade de conversão da dívida em capital social, medida que a prática consagrou como importante instrumento de solução do endividamento da empresa; a segunda, é a possibilidade de “venda integral” da devedora, que será considerada para os fins legais como uma unidade produtiva isolada.
Como consequência da classificação como unidade produtiva isolada, a sucessão ou responsabilidade por dívidas de qualquer natureza é afastada em relação a terceiro credor, investidor ou novo administrador em decorrência, respectivamente, da mera conversão de dívida em capital, de aporte de novos recursos na devedora, ou de substituição dos administradores desta (Art. 50, § 3º); ampliando e incentivando a participação de credores e investidores na reestruturação da dívida e da operação da devedora.
Em contrapartida, o legislador estabeleceu mecanismos para evitar a fraude contra credores, sujeitos ou não à recuperação judicial, estabelecendo que a venda integral não pode representar para os credores uma situação pior do que teriam na falência, o que assegura maior credibilidade ao processo.
A norma que dispõe sobre a alienação judicial de filiais ou unidades produtivas isoladas (Art. 60) foi modificada e introduzido o Art. 60-A, que passa a abranger no conceito de unidade produtiva isolada “bens, direitos ou ativos de qualquer natureza, tangíveis ou intangíveis, isolados ou em conjunto, incluídas participações dos sócios”, o que é uma inovação e ampliação relevante pois permite que o Plano preveja a venda do controle acionário sem risco de sucessão por débitos tributários ou trabalhistas dos antigos sócios, o que certamente ampliará o leque de opções e oportunidades tanto para credores quanto para investidores, favorecendo o objetivo maior da lei que é a preservação da atividade econômica.
Quanto ao pagamento da dívida, os créditos trabalhistas que antes deveriam ser quitados em um ano contado da homologação do Plano aprovado em assembleia, agora podem ser quitados em até dois anos. Para se ter direito ao prazo adicional, o Plano não pode prever deságio, devem ser ofertadas garantias que sejam aceitas pelo juiz e aprovada a proposta pela classe de credores trabalhistas, dando maiores condições à empresas prestadoras de serviço de terem acesso a essa ferramenta legal.
Um outro ponto que hoje é um entrave para o encerramento dos processos de recuperação judicial é a obrigação de que mesmo após a aprovação e a homologação do Plano pelo juiz, a empresa obrigatoriamente continue em recuperação judicial por mais dois anos (Art. 61).
Na prática, esse prazo nunca é observado e a empresa fica bem mais do que só os dois anos previstos em lei submetida ao acompanhamento do Poder Judiciário, com a obrigação de prestar informações mensais sobre o seu negócio e sujeita as restrições de crédito que um processo dessa natureza causa. A lei 14.112/20 tenta mudar esta realidade ao deixar de exigir que a devedora, após a homologação do seu Plano, permaneça em recuperação, o que é um grande avanço.
No mesmo esforço de retirar as amarras burocráticas ao encerramento da recuperação judicial, a lei deixa claro não ser necessário formar o quadro geral de credores, com o julgamento de todas as impugnações e habilitações de crédito, para só então encerrar o processo (Art. 10, § 7º ao 9º). Esse era um outro ponto que eternizava a recuperação judicial, dado o volume e a complexidade destas ações incidentais.
Todas estas inovações permitem que se tenha um processo rápido e sem entraves, corrigindo falhas da legislação atual. Mas o legislador também se ocupou de reforçar a segurança jurídica.
A proibição de que o juiz anule ou declare ineficaz a alienação de bens da empresa em recuperação feita via judicial ou prevista no Plano de Recuperação, após a consumação do negócio jurídico (Art. 66-A), autorizando somente o bloqueio do produto de eventuais alienações (Art. 73, § 2º), busca conferir segurança jurídica fundamental às empresas em recuperação judicial, possibilitando a valorização dos seus ativos e maior liquidez no mercado.
Na mesma linha de fomentar investimentos e negócios, a lei introduziu extensa regra que trata do Financiamento do Devedor e do Grupo Devedor durante a Recuperação Judicial. Dentre as principais inovações estão a possibilidade de a empresa em recuperação celebrar contratos de financiamento dando em garantia fiduciária bens e direitos, seus ou de terceiros, sejam do ativo imobilizado (não circulante) ou não, mediante autorização judicial.
Estes financiamentos devem ser destinados ao financiamento de atividades da devedora, despesas de reestruturação ou à preservação do valor de ativos. A exigência de autorização judicial para celebração destes contratos traz segurança para o financiador e para os credores, reduzindo o risco de operações fraudulentas ou simuladas.
Importante ressalva foi estabelecida pelo legislador ao afirmar que, caso a autorização dada pelo juiz de 1º grau venha a ser modificada em grau de recurso, isso não modificará a natureza do crédito concedido (extraconcursal) nem as garantias outorgadas pelo devedor em favor de financiador de boa-fé (Art. 69-B).
Aqui, como em outros pontos, a segurança jurídica como ferramenta de incentivo ao investimento e a circulação do crédito foi criteriosamente trabalhada no texto legal.
Outro destaque é a autorização para que qualquer pessoa ou entidade, o próprio devedor e/ou os demais integrantes do seu grupo que estejam em recuperação judicial possam, mediante autorização judicial, dar bem hipotecado em garantia de novas operações sem a anuência do credor hipotecário de 1º grau. Isso permite que as empresas em recuperação possam ter acesso a novas linhas de crédito sem prejudicar o credor hipotecário, impulsionando a operação com crédito novo.
E o esforço para simplificação do acesso da devedora a novos recursos fica mais evidente quando a lei passa a permitir que qualquer pessoa, inclusive familiares, sócios e integrantes do grupo do devedor, e credores sujeitos ou não à recuperação judicial concedam o crédito (Art. 69-E), conferindo maior transparência e possibilidade de acesso da empresa a novos recursos.
Por fim, outra alteração que merece registro é que o processo de recuperação judicial (e seus recursos) passam a ter prioridade de tramitação sobre todos os atos judiciais, exceto habeas corpus e as prioridades de leis especiais (Art. 189-A), inovação que certamente irá acelerar o andamento e o desfecho destas ações, favorecendo as empresas em recuperação e os credores.
Esse conjunto de mudanças abordadas brevemente neste estudo sinalizam, de um lado, maior perspectiva de aportes, investimentos e crédito para as empresas em crise que se socorrem do favor legal da Lei 11.101/05, com mais segurança jurídica para os empresários, credores e investidores; e, de outro, uma maior agilidade e celeridade na tramitação do processo de recuperação judicial, com a eliminação de gargalos que não raro faziam estas ações de grande complexidade se arrastarem por anos a fio, prejudicando a empresa e o objetivo da lei, que é de auxiliar no seu soerguimento.
Em boa hora vieram estas modificações, já que a pandemia do coronavírus prenuncia período de grandes dificuldades para empresas e empresários, e grandes desafios ao Judiciário para fazer frente ao volume de novas ações que irão bater às suas portas.
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