A Assembleia Geral de Credores tem suma importância para o processo de recuperação judicial, pois é foro adequado para que os credores possam decidir, principalmente, quanto a viabilidade econômica da empresa devedora.
Quando uma empresa se encontra em dificuldade econômico-financeira é possível se valer da lei de recuperação judicial de empresas (lei 11.101/05) visando à superação da crise.
Após a distribuição do pedido e desde que preenchidos os requisitos legais previstos nos artigos 48 e 51, da lei 11.101/05, será proferida decisão autorizando o processamento da recuperação judicial e determinando, dentre outras providências, que a empresa apresente o seu plano de recuperação judicial no prazo de 60 (sessenta) dias.
É através do plano de recuperação que a empresa irá discriminar o seu projeto de soerguimento do negócio, que pode prever, por exemplo, a aplicação de deságio e alongamento da dívida, reestruturação da empresa, venda de ativos sob a forma de unidade produtiva isolada, entre outras inúmeras possibilidades; ou seja, o plano de recuperação judicial é um produto altamente personalizado e é a mais importante peça do processo de recuperação judicial (Fabio Ulhoa, p. 220).
Após a juntada do plano no processo de recuperação judicial, o administrador judicial realizará o controle de legalidade (art, 22, II, h, da lei 11.101/05), com o intuito de certificar se as disposições do plano ferem o ordenamento jurídico; ato contínuo, os credores serão cientificados para, caso queiram, apresentem objeções ao plano.
Em seguida, havendo objeções dos credores quanto ao plano de recuperação será convocada assembleia geral de credores, de acordo com o art. 56, da lei 11.101/05. Deste modo, a lei determina que seja publicado edital constando as seguintes informações: o dia, a hora e a local da assembleia; a ordem do dia; e local onde os credores poderão obter uma cópia do plano de recuperação judicial.
A assembleia é um ato extrajudicial e ocorre sob a presidência do administrador judicial, que é o auxiliar do juiz. Para participar da assembleia o credor deve estar relacionado (habilitado) na recuperação judicial e poderá ser representado por procurador.
Diante da pandemia decorrente do novo coronavírus, as assembleias passaram a acontecer de forma virtual, facilitando, desta forma, a participação dos credores, na medida em que estes podem se juntar ao evento de qualquer lugar do mundo, bastando ter acesso a um computador ou celular com internet.
Na recuperação judicial, a assembleia é realizada com os credores divididos em quatro classes, são elas: trabalhista, garantia real, quirografária e ME/EPP (microempresa ou empresa de pequeno porte).
Como veremos mais à frente, dependendo da matéria a ser votada em assembleia, o voto de cada credor terá um peso diferente, ora considerando-se o voto por cabeça voto quantitativo, ora considerando-se o voto por crédito (voto qualitativo) ou as duas formas em conjunto.
Mas em toda recuperação judicial deve ser realizada assembleia geral de credores? A resposta é não, desde que preenchidas uma das três condições adiante elencadas.
A primeira condição para não ser realizada a assembleia: na hipótese de os credores não apresentarem objeção ao plano ou caso haja posterior desistência das objeções apresentadas pelos credores, o juízo irá homologar o plano sem a necessidade de convocação de assembleia (art. 58, da lei 11.101/05).
A segunda condição para não ser realizada a assembleia: caso o devedor se inclua no conceito de microempresa ou empresa de pequeno porte e opte pelo pedido de recuperação judicial com base no plano especial, assim sendo, não será convocada assembleia de credores para deliberar sobre o plano (art. 72, da lei 11.101/05).
A terceira condição para não ser realizada assembleia: conforme prevê o art. 56-A, da lei 11.101/05, a assembleia poderá ser dispensada se até cinco dias antes da data da sua realização, a empresa em recuperação judicial juntar aos autos um termo de adesão comprovando a aprovação dos credores, respeitado o mesmo quórum previsto no art. 45, da lei 11.101/05.
O art. 39, § 4º, da lei 11.101/05, também pontua que qualquer deliberação a ser realizada por meio de assembleia de credores poderá ser substituída por termo de adesão, votação realizada por sistema eletrônico ou outro mecanismo reputado suficientemente seguro pelo juiz.
Em relação ao termo de adesão descrito no art. 56-A, da lei 11.101/05, é importante fazer uma observação: a empresa em recuperação judicial deverá considerar para cômputo do quórum de deliberação a totalidade dos créditos sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, e este quórum é diferente acaso realizada a assembleia presencial ou virtual.
Explico melhor.
No início de vigência da lei 11.101/05 as assembleias gerais eram realizadas normalmente com pequeno número de credores, contudo, é certo que nos últimos anos vem ocorrendo uma maior conscientização e participação dos credores diante da maior utilização do instituto da recuperação judicial por pequenas, médias e grandes empresas.
A diferença entre realizar uma assembleia ou a sua dispensa mediante o uso de termo de adesão é a seguinte: diferentemente do que ocorre se a assembleia for instalada em primeira ou segunda convocação com o quórum de deliberação formado somente com os credores presentes, o quórum de deliberação a ser observado no termo de adesão será obrigatoriamente a totalidade dos créditos sujeitos à recuperação judicial (quadro de credores) e não somente os créditos representados pelos credores que comparecem à assembleia.
Dessa forma, para evitar a realização da assembleia, a recuperanda poderá juntar um termo de adesão subscrito pelos credores que concordam com o Plano de Recuperação Judicial, todavia, em tese será mais difícil conseguir a aprovação do plano via termo de adesão, que exige anuência de parcela expressiva dos credores, do que se fosse realizada a assembleia, onde a participação nem sempre é significativa.
Mas obviamente existem vantagens na utilização do termo de adesão, tais como redução de custos com a realização da assembleia, redução de riscos de rejeição do plano (e falência), além de simplificar e desburocratizar o processo, já que não raro assembleias de credores são palco de sucessivos adiamentos, calorosos embates e intermináveis questionamentos jurídicos1.
Como o termo de adesão se trata de uma recente alteração trazida pela lei 14.112/20, a prática dirá se este mecanismo será largamente utilizado pelas empresas em recuperação judicial.
Pois bem.
Quando designada, a assembleia será instalada em primeira convocação com a presença de credores que representem mais da metade dos créditos de cada classe, computados pelo valor, e, em segunda convocação, com qualquer número de presentes (art. 37, § 2º, da lei 11.101/05).
Instalada a assembleia, o Administrador Judicial dá início ao conclave passando a discutir a ordem do dia.
Na prática, o administrador judicial concede a palavra aos representantes da Recuperanda para exposição acerca do plano de recuperação judicial e em seguida ocorrem os debates entre a Recuperanda e os credores, visando o esclarecimento de eventuais dúvidas sobre o plano, podendo até mesmo ocorrer alterações ou ajustes ao plano, com o intuito de convergir interesses das partes. Tudo deve ser devidamente registrado em ata.
Só que pode acontecer de os credores e a empresa em recuperação ainda estarem em negociação quanto às condições do plano de recuperação judicial; desta forma, depois de instalada a assembleia, esta poderá ser suspensa contanto que a maioria simples dos créditos presentes à assembleia votem favoravelmente à suspensão (art. 42, da lei 11.101/05), sendo que R$ 1,00 (um real) em crédito equivale a um voto. Após a suspensão, a assembleia deverá ser encerrada em até 90 (noventa) dias contados da data de sua instalação (art. 56, § 9º, da lei 11.101/05).
Encerrados os debates com relação ao plano, os credores irão votar pela aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação apresentado pelo devedor (art. 35, I, “a”, da lei 11.101/05) e a contagem do voto para aprovação do plano é feita da seguinte forma:
Credores da classe trabalhista e ME/EPP: a maioria simples dos credores presentes devem aprovar o plano independentemente do valor do crédito (art. 45, § 2º, da lei 11.101/05), ou seja, o voto é contabilizado apenas por cabeça (voto quantitativo);
Credores da classe com garantia real e quirografário: a maioria simples dos credores presentes cumulada com mais da metade do valor dos créditos presentes à assembleia (art. 45, § 1º, da lei 11.101/05), ou seja, o voto é contabilizado por cabeça (voto quantitativo) juntamente com o crédito (voto qualitativo).
Aprovado o plano de recuperação, o administrador judicial irá registrar em ata o quórum de votação e submeter o ato à homologação pelo Poder Judiciário. A jurisprudência2 se consolidou no sentido de que a decisão assemblear é soberana sobre o plano de recuperação judicial, restando ao judiciário apenas realizar o controle de legalidade do plano.
Caso o plano de recuperação judicial não seja aprovado pelos credores nas condições acima (art. 45, da lei 11.101/05), o juízo ainda poderá homologar o resultado pela via extraordinária, é a chamada aprovação pelo cram down, desde que preenchidos os seguintes requisitos cumulativamente, conforme descrito no art. 58, § 1º, da lei 11.101/05:
I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes;
II – a aprovação de 3 (três) das classes de credores ou, caso haja somente 3 (três) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 2 (duas) das classes ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas, sempre nos termos do art. 45 desta Lei;
III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 desta Lei.
Ocorre que, se o plano de recuperação judicial não for aprovado em assembleia, nem for possível aplicar o cram down, os próprios credores poderão apresentar um plano de recuperação alternativo, desde que cumpridas as exigências legais previstas no art. 56, § 6º, da lei 11.101/05.3
Ademais, sempre que ultrapassado o prazo de stay period (suspensão das ações de execução e falência contra a empresa em recuperação), e não houver sido votado o plano de recuperação proposto pela devedora, também se abrirá a janela de oportunidade para que os credores apresentem um plano alternativo.
Destarte, além de decidir sobre a aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor, a assembleia tem por atribuição votar a respeito: (i) da constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição; (ii) pedido do devedor de desistência da recuperação judicial, nos termos do § 4º do art. 52 desta Lei; (iii) do nome do gestor judicial, quando do afastamento do devedor; (iv) de qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores; (v) da alienação de bens ou direitos do ativo não circulante do devedor, não prevista no plano de recuperação judicial (art. 35, I, da lei 11.101/05).
Portanto, vimos que a Assembleia Geral de Credores tem suma importância para o processo de recuperação judicial, pois é foro adequado para que os credores possam decidir, principalmente, quanto a viabilidade econômica da empresa devedora, ou seja, é ali que se define se a recuperanda irá continuar ou não suas atividades, por veredicto soberano dos credores.
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1- LOBO, Murillo. A Nova Lei de Recuperação Judicial e Falências. Migalhas. 2021. Disponível aqui.. Acesso em 23.02.2021, às 09:30 horas.
2- 2. A atuação do Poder Judiciário está restrita à legalidade do ato deliberativo, razão pela qual deve abster-se o julgador de adentrar no aspecto da viabilidade econômica do plano de soerguimento aprovado, a qual constitui mérito da soberana vontade da Assembleia Geral de Credores. (TJGO, Agravo de Instrumento (CPC) 5191857-97.2018.8.09.0000, Rel. Des(a). JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA, 2ª Câmara Cível, julgado em 29/06/2020, DJe de 29/06/2020).
3- I – não preenchimento dos requisitos previstos no § 1º do art. 58 desta Lei;
II – preenchimento dos requisitos previstos nos incisos I, II e III do caput do art. 53 desta Lei
III – apoio por escrito de credores que representem, alternativamente:
a) mais de 25% (vinte e cinco por cento) dos créditos totais sujeitos à recuperação judicial; ou
b) mais de 35% (trinta e cinco por cento) dos créditos dos credores presentes à assembleia-geral a que se refere o § 4º deste artigo;
IV – não imputação de obrigações novas, não previstas em lei ou em contratos anteriormente celebrados, aos sócios do devedor;
V – previsão de isenção das garantias pessoais prestadas por pessoas naturais em relação aos créditos a serem novados e que sejam de titularidade dos credores mencionados no inciso III deste parágrafo ou daqueles que votarem favoravelmente ao plano de recuperação judicial apresentado pelos credores, não permitidas ressalvas de voto; e
VI – não imposição ao devedor ou aos seus sócios de sacrifício maior do que aquele que decorreria da liquidação na falência.
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COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 14ª ed. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
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